Neste artigo, falaremos como o cérebro aprende dando ênfase aos mecanismos neurológicos da aprendizagem. Isto tem íntima relação com a ideia a qual devemos ter de como esses processos ocorrem dentro do cérebro, como eles se inter relacionam e como que por meios biológicos, sociais, culturais e pedagógicos esses processos se transformam e evoluem dentro do sistema de inter conexão entre os neurônios, dando ao indivíduo a capacidade de aprender adequadamente.
Antes de começarmos, vamos falar de dois conceitos que são muito importantes, de forma a facilitar toda a discussão que virá a seguir.
Neurociências
Ciência destinada a fornecer explicações do comportamento da atividade cerebral e como as células cerebrais atuam para produzir a cognição, as emoções e o comportamento.
O enfoque aqui será estudar como é o funcionamento das áreas relacionadas com leitura e escrita, aquisição de habilidades antes deficitárias e funções executivas, atencionais e de linguagem.
Primeiras evidências neurobiológicas
As primeiras evidências neurobiológicas de que a aprendizagem tem alguma coisa a ver com o cérebro foram trazidas por Broca (1861) e Wernicke (1874).
Broca conseguiu perceber que, quando um indivíduo normal ocorre um derrame, este indivíduo começa a perder determinadas funções neurológicas. Então este pesquisador, após a morte dos pacientes, fazia com que os cérebros fossem retirados do corpo para posterior análises. Nessas análises, Broca conseguiu perceber uma imensa área de alteração, e com isso ele conseguiu determinar qual área era afetada no cérebro de um indivíduo após a ocorrência de um derrame. Esta área hoje é conhecida como Área de Broca, que está intimamente conectada com a capacidade de expressão motora do nosso corpo, especialmente as capacidades relacionadas à fala.
Wernicke, desenvolveu um estudo muito similar com a pesquisa de Broca, buscando explicar o motivo pelo qual um indivíduo perdia a capacidade de compreensão após um derrame. A partir daí, ele detectou uma área altamente prejudicada, conhecida hoje como Área de Wernicke, que corresponde a uma área primária de compreensão auditiva.
Em 1897, Morgan fez uma publicação científica mostrando evidências de indivíduos que eram, aparentemente, totalmente normais, mas não conseguiam desenvolver a habilidade de leitura com fluência. Nesta publicação, Morgan constatou que nem sempre a incapacidade é resultado de uma lesão e que isso pode ocorrer até mesmo em indivíduos normais.
Mais tarde, em 1907, Stevenson buscou fazer uma avaliação em históricos familiares, fazendo uma associação com a dificuldade que se apresentava nos indivíduos dessa família, a cada geração, de desenvolver normalmente habilidades de leitura e escrita. A partir disso, ele levantou hipóteses de que esse tipo de acontecimento está relacionado com heranças familiares.
Em 1917, Hinshelwood buscou descrever indivíduos que apresentavam total normalidade no dia-a-dia, mas não conseguiam aprender a ler. Já em 1925, Samuel Orton descreveu pela primeira vez a ideia de Cegueira Verbal, que hoje é conhecida como Dislexia.
A partir daí, as pesquisas foram se intensificando, e, em 1979 Galaburda foi o primeiro pesquisador a conseguir detectar que existem alterações anatômicas relacionadas a dificuldade de atingir fluência de leitura. Então este pesquisador buscou fazer uma comparação entre o cérebro de leitores fluentes com cérebro de indivíduos que apresentavam dificuldade de leitura grave. Galaburda então detectou que, enquanto indivíduos fluentes apresentavam o lado esquerdo do lobo temporal um pouco maior do que o lado direito, na outra classe de indivíduos havia uma simetria entre os dois lados do lobo.
Como o cérebro aprende
Depois do anos 70 até os dias de hoje, tem surgido várias pesquisas, inclusive pesquisas feitas por Luria. Estas pesquisas mostram que o cérebro aprende por, basicamente, dois mecanismos. A primeira teoria é a do Sistema Neurofuncional Complexo e a segunda teoria, desenvolvida por Fonseca, em 1995, é a teoria da Organização Neuropsicomotora. A descrição de ambos estão amplamente expressas na literatura médica.
O sistema Neurofuncional Complexo parte do princípio de que o cérebro possui várias áreas (área executiva, motora e da linguagem), cada qual com uma habilidade específica, e que a interconexão destas áreas é responsável por uma função específica do cérebro.
E a Organização Neuropsicomotora parte do princípio de que o cérebro funciona em um estado contínuo entre entrada de estímulo (INPUT), percepção e elaboração de ideias e saída (resposta do cérebro – OUTPUT). Essa teoria considera que o cérebro tem unidades diferentes de hierarquia e que existem determinadas áreas mais especializadas que as outras e que existem processos de laterização, ajudando o cérebro a ter pontos de referência e maior capacidade de armazenar e automatizar atividades, preparando o cérebro para novas aprendizagens.
Na figura abaixo, está melhor ilustrado de como acontece o processamento neurológico no cérebro. Existem grupos de neurônios, que são unidades básicas do cérebro, que têm a capacidade de criar conexões entre eles. A partir disso, acontece uma inter-conexão entre os grupos de neurônios, gerando habilidades no cérebro, que conectadas com outras habilidades, geram uma função específica. Por isso, todas as áreas cerebrais devem estar saudáveis e funcionando adequadamente cada que a função específica seja realizada com sucesso.
Cada área uma contribuição
Na figura acima, é apresentado uma visão lateral do cérebro, enfocando nas regiões principais a que ele é dividido, cada qual com suas funções. O lobo frontal é responsável por funções executivas; o lobo parietal está mais ligado à área de espacialidade; o lobo occipital é responsável por processamento visual; e o lobo temporal é a área de processamento auditivo e da linguagem.
De forma resumida, todo o processo de entrada de informação que se utiliza de meios de percepções visual, auditiva e tátil, faz o processo de codificação para que seja interpretado pelo cérebro e a partir disso é gerado um ato motor. O processo de pensar é baseado em aspectos de memória recente e antiga e também de interpretação linguística semântica. E o processo de responder, interpretar e escrever é a resposta que o cérebro dá. Todos esses processos dependem do nível de atenção, motivação e vigilância ao qual o indivíduo se encontra no momento de aprendizagem.
Consolidação da aprendizagem
Para que todo o aprendizado seja consolidado e memorizado de forma correta, são necessários 4 passos importantes:
- Repetir as atividades observadas – Este passo é especialmente realizado quando há prática de alguma atividade que foram aprendidas em outros contextos;
- Fazer e praticar após observar – Não basta somente observar, o indivíduo necessita de prática da aprendizagem, para que haja uma consolidação do conhecimento;
- Criar formas novas de fazer – É necessário que após a aprendizagem, o indivíduo pratique outras formas de expressar o mesmo conhecimento adquirido;
- Ser estimulado a perceber erros e imperfeições – Em todos os processos de começo, meio e fim, é necessário que o indivíduo perceba os possíveis erros que venham a impedir que ele realize as atividades corretamente, pois dessa forma será possível a posterior correção destes erros.
Para que se tenha uma aprendizagem normal, é necessário que se tenha uma integridade cerebral preservada e uma adequada estimulação ambiental, ou seja, estimular a criança para que ela adquira conhecimentos necessários de acordo com a sua idade. Portanto, dificuldades ou transtornos de aprendizagem são oriundas de situações onde, ou há lesão de alguma área cerebral ou a estimulação ambiental foi inadequada e insuficiente.